Um processo administrativo tributário que levou quase 12 anos para ser finalizado poderá ser considerado prescrito pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em decorrência da demora na análise do caso. O julgamento, previsto para amanhã na 1ª Turma, despertou a atenção de advogados pela possibilidade de os ministros estabelecerem um prazo razoável para esse tipo de processo.
O caso que será julgado envolve a Unilens Comércio de Material Ótico e o Estado do Rio de Janeiro. De acordo com o processo, a empresa foi autuada em 1995 por débitos de ICMS e apresentou recurso administrativo, julgado definitivamente apenas em 2007. Diante da demora, a empresa decidiu recorrer à Justiça e argumentar que a dívida estaria prescrita.
A turma vai analisar decisão do ministro Francisco Falcão, do STJ, que reformou entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) favorável ao contribuinte. A 9ª Câmara Cível do TJ-RJ foi unânime ao entender que o prazo para a conclusão de um processo administrativo não é indefinido e que deveria ser reconhecida a prescrição do crédito. Para isso, os desembargadores utilizaram a chamada “prescrição intercorrente”, aplicada com frequência nos casos em que o Fisco abandona um processo judicial por mais de cinco anos, por haver vícios ou pendências não resolvidas.
De acordo com o voto do desembargador Rogério de Oliveira Souza, apesar de o artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelecer que os recursos suspendem a exigibilidade do crédito, o Fisco não possui “prazo ad aeternum para decidir impugnações administrativas opostas a lançamentos de créditos tributários”.
Para o desembargador, nas situações em que se demonstrar a “desídia e o descaso da administração” seria necessária a aplicação da chamada “prescrição intercorrente”. Nesse caso, segundo a decisão, “não é razoável que o Fisco possa levar, indene de qualquer sanção, quase 12 anos para encerrar de forma definitiva a constituição de seu crédito, permancendo o particular a seu alvedrio, sem a menor perspectiva de conclusão”.
Com base na Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que assegurou a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade na sua tramitação e o artigo 174 do Código Tributário Nacional, o magistrado estabeleceu o prazo máximo de cinco anos para que esse tipo de processo seja julgado.
Porém, ao analisar recurso da Fazenda, o ministro Francisco Falcão, do STJ, resolveu reformar o entendimento do TJ-RJ e cassar a prescrição. De acordo com a decisão, “se, por um lado, durante a suspensão a Fazenda Pública fica impedida de promover atos de execução do débito, por outro, não corre em seu desfavor o prazo prescricional previsto no artigo 174 do CTN, que se iniciará apenas a partir da constituição definitiva do crédito tributário”. Assim, para o ministro, o prazo para a prescrição começaria a ocorrer em fevereiro de 2007, quando terminou o julgamento administrativo. Como a execução fiscal foi proposta em agosto de 2007 e a citação dos sócios em junho de 2010, ele entende que não há que se falar em prescrição.
A defesa da companhia, contudo, recorreu e conseguiu levar a discussão para a 1ª Turma. Como o ministro Francisco Falcão saiu da turma para assumir o cargo de corregedor nacional de Justiça, o novo relator do processo passou a ser o ministro Ari Pargendler.
Segundo a advogada da Unilens, Danielle Agostinho Baptista, sócia do Baptista Estruc Advogados, apesar de haver normas com prazo para o julgamento de processos administrativos, elas não são, na prática, seguidas. Para a advogada, se o STJ retomar a decisão do tribunal, os contribuintes ganharão um importante precedente para o uso da prescrição intercorrente na via administrativa. “Esse conceito já tem sido amplamente aplicado pelo STJ nos processos judiciais”, diz.
Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro informou apenas, por nota, que “aguarda decisão da Justiça”.
Para o presidente da Comissão de Assuntos Tributários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Maurício Faro, do Barbosa, Müssnich & Aragão, o ponto central da discussão deve ser a duração razoável do processo, prevista na Emenda nº 45. “Há processos no município do Rio de Janeiro, por exemplo, que já tramitam há mais de 15 anos.”
Para Faro, é necessário fixar um limite razoável de duração. “Essa demora prejudica o contribuinte e o próprio Estado, que não consegue obter seus créditos em menos tempo, caso a autuação seja mantida”, afirma.
O estabelecimento de um limite máximo poderia ser benéfico, de acordo com advogados tributaristas. “Hoje, o contribuinte fica com as mãos atadas. Por isso, essa decisão do Tribunal de Justiça é ousada e inovadora”, afirma Vitor Krikor Gueogjian, do escritório Ratc e Gueogjian Advogados, que acredita, porém, que pode prevalecer no STJ o que prevê o Código Tributário Nacional. Contudo, como há questões constitucionais, o caso pode ser levado ao Supremo Tribunal Federal.
Os tributaristas Sandro Machado e Francisco Giardina, do Bichara, Barata & Costa Advogados, também concordam que a demora é prejudicial aos contribuintes. “No tempo em que o processo está correndo, sobre a autuação estão incidindo juros e correção monetária”, diz Giardina. Para Machado, uma decisão a favor do contribuinte poderia fazer levar a administração a estruturar melhor o contencioso administrativo, com contratação de pessoal e compra de equipamentos, tornando mais célere a tramitação de processos.
Fonte: Valor Econômico (Adriana Aguiar e Bárbara Mengardo)
(04/11/2013)