Assim decidiu, por unanimidade, a Terceira Turma do STJ, no julgamento de processo sigiloso, realizado em 27/08/2024. Do respectivo acórdão, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destaca-se o seguinte:
“O § 1º do art. 1.571 do Código Civil dispõe que “o casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio (…)”. Assim, a ocorrência de qualquer um desses fatos – morte ou divórcio – põe fim ao casamento. Contudo, a questão deixa de ser tão simples quando os dois eventos – morte e divórcio – apresentam-se.
No caso de origem, o Tribunal local concluiu que, a despeito do divórcio antecipadamente reconhecido, a causa de extinção do casamento foi, ao final, a morte do cônjuge autor da ação, revogando a liminar anteriormente concedida.
Entretanto, as consequências jurídicas dessa opção, a prevalecer uma ou outra forma de extinção do casamento, são tão distintas – notadamente nos campos previdenciário e sucessório – que o tema exige um exame acurado e, sobretudo, um tratamento jurisprudencial uniforme.
A posição adotada pela Corte local segue o entendimento que predominou por muito tempo na doutrina e na jurisprudência.
Contudo, o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010, que alterou a redação do § 6º do art. 226 da Constituição Federal, trazendo o que a doutrina chama de uma “completa mudança de paradigma”.
A aludida alteração constitucional dispensou qualquer requisito prévio para a extinção do casamento, além da vontade da pessoa casada de pôr fim à relação, posicionando o instituto na categoria dos chamados “direitos potestativos”.
Portanto, a dissolução do casamento passou a depender, unicamente, da válida manifestação da vontade de um dos cônjuges de não mais permanecer casado. Nesse contexto, não há mais razão para que os efeitos da manifestação de vontade da parte de dissolver o vínculo fiquem atrelados à sentença definitiva.
Dessa forma, ainda que não haja consenso entre as partes no que se refere às consequências do fim da relação, e o divórcio seja caracterizado como “litigioso”, fato é que o litígio não recai sobre o divórcio em si, mas sobre as demais questões dele decorrentes, como as de cunho patrimonial (partilha, alimentos) e as de organização da filiação (guarda, regime de visitas etc.).
Não havendo, portanto, possibilidade de “litígio” (controvérsia) em torno da extinção do vínculo em si, o divórcio pode (e deve) ser reconhecido imediatamente, com fundamento nos arts. 355 ou 356 do CPC (a depender de haver ou não necessidade de prosseguimento do feito para decidir outras questões), mediante decisão de mérito, de cognição exauriente, cujos efeitos passam a surtir desde logo.
Nessas situações, portanto, caso o autor venha a falecer no curso do processo, o seu estado civil já terá sido alterado para divorciado, não cabendo mais cogitar de eventual viuvez. Mas, se, eventualmente, nenhuma dessas providências tenha sido tomada, e o autor da ação de divórcio venha a falecer antes de qualquer decisão acerca do seu pedido, ainda assim o divórcio poderá ser reconhecido, pois a manifestação de vontade é o que basta para tanto.
Assim, é possível afirmar que não se mostra adequada a extinção da ação de divórcio pela morte do autor sem antes se apreciar o pleito de dissolução do vínculo, conforme a vontade por ele expressada. Nessa linha, o enunciado nº 45 do IBDFAM: “A ação de divórcio já ajuizada não deverá ser extinta sem resolução de mérito, em caso do falecimento de uma das partes”.
Ademais, a possibilidade de reconhecimento do divórcio após a morte também foi incorporada na proposta de Reforma do Código Civil apresentada por comissão de juristas ao Senado Federal, em abril de 2024. Segundo o relatório, o § 4º do art. 1.571 do Código Civil passaria a ter a seguinte redação: “O falecimento de um dos cônjuges ou conviventes, depois da propositura da ação de divórcio ou de dissolução da união estável, não enseja a extinção do processo, podendo os herdeiros prosseguir com a demanda, retroagindo os efeitos da sentença à data estabelecida na sentença como aquela do final do convívio”.
Sendo assim, conclui-se que, ainda que não haja, por ora, legislação específica a respeito, a natureza do direito material posto em juízo implica a prevalência da vontade livremente manifestada em vida sobre a morte na definição da causa da dissolução do casamento.”
Fonte: STJ (Informativo de Jurisprudência)
(21/01/2025)