Assim decidiu a Segunda Seção do STJ, em decisão majoritária tomada no dia 24/05/2023, no julgamento do EREsp 1.559.348-DF, sob relatoria do Ministro Moura Ribeiro. Do referido Acórdão, destaca-se o seguinte:
“A controvérsia diz respeito à impenhorabilidade do bem de família quando ocorrer a alienação fiduciária de imóvel em operação de empréstimo bancário.
Rememora-se que o bem de família e sua impenhorabilidade são regidos pela Lei n. 8.000/1990 (art. 1º). O instituto visa assegurar ao indivíduo um patrimônio mínimo, sendo também, expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1°, III, da Constituição Federal. Antes do advento da Lei n. 9.514/1997 (que criou o Sistema Financeiro Imobiliário e regulou o instituto da alienação fiduciária de imóvel), a principal garantia dos financiamentos envolvendo bens imóveis era a hipoteca. Por tal razão, a Lei n. 8.009/1990 somente dispôs sobre a hipoteca, prevendo a exceção do art. 3º, inciso V, que permitia a penhora de bem dado em hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.
Esta Corte Superior, ao interpretar referida norma, concluiu que, na hipótese de oferecimento de imóvel em garantia hipotecária, a impenhorabilidade do bem de família somente estará comprometida se a dívida objeto dessa garantia tiver sido assumida em benefício da própria entidade familiar (EAREsp 848.498/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe de 7/6/2018).
Por sua vez, o instituto da alienação fiduciária foi introduzido na legislação brasileira pela necessidade de superar a inadequação da garantia hipotecária, que depende do Poder Judiciário para a sua execução. Com o intuito de permitir maior celeridade no recebimento do crédito, ampliando a circulação de recursos e a realização de negócios, a Lei n. 9.514/1997 dispensou o ajuizamento de ação judicial, prevendo a consolidação da propriedade perante o oficial do Registro de Imóveis.
Segundo o rito previsto para o instituto, o devedor poderá purgar a mora no prazo fixado, convalescendo o contrato de alienação fiduciária (art. 25, § 5º, da Lei n. 9.514/1997), caso em que não se consolida a propriedade em favor do credor. Já na alienação fiduciária, não se discute a “impenhorabilidade” do bem, uma vez que a propriedade foi transmitida, ainda que em caráter resolúvel, pelos devedores. Cumpre-se verificar, isto sim, a “alienabilidade” do bem.
Nesse sentido, a Terceira Turma ao distinguir o bem de família legal (disciplinado na Lei n. 8.009/1990) e o bem de família voluntário (estabelecido pelo Código Civil, nos arts. 1.711 a 1.722), concluiu pela possibilidade de alienação fiduciária do bem de família legal: “a própria Lei n. 8.009/1990, com o escopo de proteger o bem destinado à residência familiar, aduz que o imóvel assim categorizado não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, mas em nenhuma passagem dispõe que tal bem não possa ser alienado pelo seu proprietário” (REsp 1.560.562/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 4/4/2019).
Desse modo, não se afigura possível beneficiar aquele que, com reserva mental, ofereceu em garantia imóvel de sua propriedade, por meio de alienação fiduciária, a fim de obter recursos em contrato de mútuo sob condições mais favoráveis e, em momento posterior, após o inadimplemento da dívida, alega a invalidade do ato de disposição em razão da proteção conferida ao bem de família.”
Fonte: STJ (Informativo de Jurisprudência)
(30/05/2023)