Conforme é de conhecimento de todos, houve, no ano transato, com a promulgação da Lei Complementar 116, uma substancial alteração da legislação que disciplina, em seus aspectos gerais, a cobrança do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, cuja competência impositiva, em muitas situações, passou a ser do município onde o serviço é efetivamente prestado.
O que mais se destacou nessa alteração foi seu propósito de encerrar a verdadeira “guerra fiscal” que se travava entre os municípios, mediante a oferta, por alguns deles, de alíquotas diferenciadas destinadas a atrair prestadores de serviços para se estabelecerem em seu território, ali constituindo, ao menos aparentemente, e sob um aspecto puramente formal, seu domicílio fiscal. A região metropolitana da Grande São Paulo ilustra bem esse embate, ali se constatando a existência de inúmeras empresas prestadoras de serviços – e, pois, potenciais contribuintes do ISS – oficialmente sediadas em municípios vizinhos, mas que, de fato, desempenham suas atividades predominantemente na Capital.
O que estimulava essa medida era o entendimento de que, de acordo com a legislação então vigente, a competência para a imposição do tributo seria do município onde se encontrava o estabelecimento sede da empresa, não o local onde, possuindo ela uma outra unidade econômica, de fato prestasse seus serviços. Também a possibilidade de se estabelecer qualquer alíquota, sem a fixação de limites pela legislação complementar federal, permitia com que alguns municípios com menor volume de atividade econômica, para lá atraíssem um grande número de empresas, oferecendo alíquotas bem menores do que aqueles onde os serviços seriam prestados, fato que lhes permitiu um incremento da arrecadação, constituindo-se no que podemos chamar de “cidades dormitórios” de prestadores de serviços.
Atualmente, a legislação federal, além de contemplar as alíquotas mínima e máxima que podem ser adotadas pelos municípios na tributação dos serviços, melhor define a competência para a imposição do tributo, reconhecendo-a em muitos casos àquele município onde, de fato, seja o serviço prestado. Ao menos em tese, tais medidas deverão surtir efeitos para mitigar os perniciosos efeitos dessa “guerra”, apesar de já notarmos a existência de manobras destinadas a interferir na base de cálculo dos tributos, permitindo que aqueles municípios com menor atividade ainda continuem sendo eleitos como domicílio de contribuintes que visam a uma menor carga tributária.
No entanto, o que pretendemos destacar nesse breve estudo é a possibilidade de os corretores, agentes, representantes e demais intermediários de planos de saúde questionarem a incidência do tributo em questão sobre seu faturamento. Atualmente, a cobrança parece-nos ter sido finalmente amparada na legislação, o que não se observava até então.
Com efeito, valendo-se de importante precedente jurisprudencial constituído com uma decisão do Superior Tribunal de Justiça em caso análogo, concluímos pela possibilidade de se questionar a cobrança desse tributo que se dirigiu a corretores e agentes de planos privados de assistência à saúde anteriormente à promulgação da Lei Complementar 116/2003.
Em síntese, a tese a ser sustentada fundamenta-se na ausência de previsão expressa na Lei Complementar em vigor até então, o que, de acordo com precedentes do Supremo Tribunal Federal, retiraria ao Fisco Municipal a competência para a imposição do tributo sobre tal atividade.
Considerando que o ISS é tributado sob a modalidade de autolançamento – ou lançamento por homologação -, vislumbra-se a possibilidade de repetição de tudo o quanto recolhido a esse título nos 10 (dez) anos anteriores à entrada em vigor da Lei Complementar 116/2003, acima aludida, recuperando-se um importante crédito. Alternativamente, seria possível até mesmo a compensação desses valores com débitos futuros a se constituírem para esse mesmo tributo.
O assunto merece atenção, razão pela qual nos colocamos à disposição para maiores esclarecimentos e debates a seu respeito.
Daniel Barauna
(março/2004