Conceito e definição de Serviço Público
Os conceitos de Administração Pública e Estado não se confundem. Sob o aspecto subjetivo, Administração Pública é a máquina estatal, ou no dizer de Diogo Freitas do Amaral (in Curso de Direito Administrativo, p. 616.), é o conjunto de pessoas coletivas públicas. Sob o aspecto objetivo, Administração Pública é a atividade do Estado, para a satisfação dos interesses da população.
Muito embora a Administração Pública tenha como função precípua o atendimento das necessidades da coletividade, e seja a prestação de serviços públicos a forma como diretamente busca satisfazer estas necessidades, com efeito, a Administração Pública não se resume apenas nesta atividade do Estado de consecução do bem estar coletivo.
Contudo, nas primeiras décadas do século XX, a chamada Escola do Serviço Público, liderada pelo francês Léon Duguit (Traité de Droite Constitucionnel, p. 70, apud, Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 576), buscou demonstrar que no centro do estudo do Direito Administrativo estava a prestação dos serviços públicos e não o Poder Estatal.
Os partidários da Escola do Serviço Público, com fundamento na concepção de que serviço público é toda atividade prestada pelo Poder Público para atender as necessidades da coletividade, defendiam que a idéia de Administração Pública, inclusive no que concerne a sua estrutura organizacional, estava centrada na sua finalidade de atender à coletividade através da prestação de serviços públicos.
Esta concepção foi perdendo força com as alterações comportamentais do Estado, que passou a exercer atividades econômicas sob regime de direito privado e a delegar algumas de suas funções ao particular, que, por sua vez, passou a desenvolvê-las sob regime de direito público.
É consenso hoje, ainda que a prestação de serviços públicos seja a forma mais direta da Administração Pública atingir sua finalidade, que o seu estudo deva cuidar também da análise de sua estruturação, “a teoria geral da organização administrativa assenta sobre duas figuras fundamentais – a das pessoas colectivas públicas e a dos serviços públicos” (Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, p.618)
Estas considerações se justificam, tanto para destacar a importância dos serviços públicos no histórico do tratamento jurídico dispensado à Administração Pública, quanto para estabelecer as diferenças entre a estrutura organizacional administrativa e a atividade administrativa na qual estão inseridos os serviços públicos.
Pois bem, se sob o aspecto objetivo Administração Pública é a atividade administrativa que busca o atendimento das necessidades coletivas, incumbe a ela a prestação dos serviços públicos.
“No sentido amplo da expressão ‘serviço público’ são englobadas também as atividades do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, quando se menciona o seguinte: o Judiciário presta serviço público relevante; o Legislativo realiza serviço público. Evidente que aí a expressão não se reveste de sentido técnico, nem tais atividades sujeitam-se aos preceitos norteadores da atividade tecnicamente caracterizada como serviço público.” (Odete Medauar, Direito Administrativo moderno, p. 328-329)
Em verdade, não foram poucas e nem tão pouco pequenas as divergências na conceituação de serviço público encontradas na doutrina pesquisada. Com efeito, este não é assunto pacífico. Tais divergências, centram-se basicamente na concepção de qual tipo de atividade administrativa pode ser tida como serviço público.
Para uns, apenas aquele serviço que é disponibilizado à população para sua fruição e atendimento direto das necessidades coletivas pode ser considerado como serviço público.
“Serviço Público como um capítulo do direito administrativo, diz respeito a atividade realizada no âmbito das atribuições da Administração, inserida no Executivo. E refere-se a atividade prestacional, em que o poder público propicia algo necessário à vida coletiva, como por exemplo: água, energia elétrica, transporte urbano. As atividades-meio, por exemplo: arrecadação de tributos, serviços de arquivo, limpeza de repartições, vigilância de repartições, não se incluem na acepção técnica de serviço público.
Assim, o serviço público apresenta-se como uma dentre as múltiplas atividades desempenhadas pela Administração, que deve utilizar seus poderes, bens e agentes, seus atos e contratos para realizá-los de modo eficiente” (Ibidem, p. 329).
Para outros, porém, toda a atividade administrativa é serviço público. Assim, no entendimento destes, todos serviços meio, burocráticos, que são executados para o funcionamento da máquina administrativa, são tidos como serviço público.
“Com feito, as decisões dos órgãos têm de ser rodeadas de particulares cuidados, em termos que garantam a escolha da melhor solução possível à face do interesse público a prosseguir. Daí que se torne necessário, antes da intervenção do órgão com competência decisória, desenvolver uma atividade prévia de preparação e estudo das diversas soluções possíveis, de modo a habilitá-lo a decidir da forma mais adequada. Além disso, uma vez tomada as decisões, elas têm de ser executadas, sob pena de grave inoperância do aparelho administrativo.
Pois bem: os serviços públicos desenvolvem a sua actuação quer na fase preparatória da formação da vontade do órgão administrativo, quer na fase que se segue à manifestação daquela vontade, cumprindo e fazendo cumprir aquilo que tiver sido determinado. Os serviços públicos são, pois, organizações que levam a cabo as tarefas de preparação e execução das decisões dos órgãos das pessoas colectivas públicas, a par do desempenho – que asseguram – das tarefas concretas em que se traduz a prossecução das atribuições dessas pessoas colectivas.” (Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, p. 620-621).
A conceituação de serviço público não é tarefa fácil, e, desde o surgimento da Escola do Serviço Público, quando esta atividade ganhou maior destaque, busca-se conceituá-lo de forma a atender às expectativas da doutrina.
Nas primeiras definições de serviço público, a doutrina arrazoava que, para que assim pudesse ser considerado, necessária seria, a presença de três elementos, quais sejam, o elemento subjetivo, o elemento material e o elemento formal.
O elemento subjetivo era sempre determinado pela pessoa jurídica prestadora do serviço. Assim, se o serviço era prestado por pessoa jurídica de direito público, o elemento subjetivo se verificaria presente. A presença do elemento material no serviço prestado era determinada pelo tipo de atividade exercida, ou seja, se a atividade prestada buscava atender ao interesse e necessidade da coletividade, o elemento material estaria presente. O regime jurídico de direito público, por sua vez, determinava a presença do elemento formal.
Neste compasso, o serviço para ser considerado público deveria ser prestado sob regime de direito público pelo Estado e atender ao interesse coletivo.
Posteriormente, o Estado teve sua atuação expandida de um lado, passando a desenvolver atividades de comércio e indústria sob regime de direito privado, e achatada de outro, delegando ou outorgando a prestação de serviços públicos ao particular, que passou a desenvolvê-la sob o regime de direito público.
Estas alterações comportamentais do Estado não afetaram a necessidade da verificação dos três elementos essenciais ao serviço público. Confira-se a respeito, a definição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem serviço público é “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público” (Direito Administrativo, p. 98).
Como se pode notar da definição da ilustre doutrinadora, muito embora tenha havido uma alteração no comportamento estatal, todos os elementos essenciais ao serviço público ainda são presentes.
Ao contrário do que se advogou no passado, em determinadas áreas, estabelecidas pela abrangência de atuação adotada por cada Estado, não se exige hoje que os serviços públicos sejam prestados diretamente pela Administração Pública, podendo ela delegar a sua prestação ao particular
A presença do elemento subjetivo não está mais atrelada à pessoa jurídica de direito público prestadora do serviço, mas à pessoa jurídica de direito público a quem incumbe a prestação deste serviço, a quem é conferida a sua titularidade, podendo ela prestá-la diretamente, outorgá-la ou delegá-la, ou seja, não importa, para a verificação do elemento subjetivo, quem vai efetivamente prestar o serviço, mas a quem incumbe a sua prestação.
“O serviço público é sempre incumbência do Estado, conforme está expresso, aliás, no art. 175 da Constituição Federal (…); a sua gestão também incumbe ao Estado, que pode fazê-lo diretamente (por meio dos próprios órgãos que compõem a Administração Pública centralizada da União, Estado e Municípios) ou indiretamente, por meio de concessão ou permissão, ou de pessoas jurídicas criadas pelo Estado com essa finalidade.” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, p. 98).
Todavia, é a lei que realmente vai determinar a existência do elemento subjetivo em determinado serviço. Isto significa que somente a lei pode atribuir ao Estado a prestação do serviço.
Por certo, a finalidade e os princípios do Estado e da Administração Pública devem dar sustentação a esta atribuição legal, de tal sorte que não tem razão de ser a atribuição ao Estado da prestação de determinado serviço, sem que se busque com ele, mesmo indiretamente, o atendimento das necessidades coletivas. Portanto, é essencial a existência do elemento material para a sua verificação, elemento este que se traduz exatamente na relevância do serviço para a coletividade.
Exige-se, contudo, que o atendimento à coletividade pelo serviço público seja direto. Com efeito, não se pode dizer que o serviço, que não esteja colocado diretamente à disposição da população para sua fruição, seja denominado como serviço público, mesmo porque falta-lhe a essencialidade própria dos serviços públicos.
Vale dizer que existe uma série de caminhos a serem adotados pela Administração para que o serviço atenda às necessidades coletivas. Assim, o serviço administrativo, preparatório direta ou indiretamente para a prestação do serviço diretamente à comunidade, pode eventualmente ser substituído, o que não ocorre com os serviços públicos, que são sempre os mesmos, mudando contingentemente apenas a sua forma de prestação.
Assim, a administração pública pode mudar a forma de agendamento de consultas médicas, mas não pode deixar de prestar o serviço de saúde; considerando-se o agendamento como serviço administrativo e o atendimento médico, como serviço público.
Os serviços de meio, por certo, também buscam atender, mesmo que indiretamente, à coletividade, mesmo porque, esta é a função da própria Administração e do Estado como um todo. Ocorre que a configuração do serviço público exige, a presença do elemento material representado não pelo atendimento às necessidades da máquina administrativa para que esta possa vir a atender diretamente às aspirações coletivas, mas sim pelo atendimento das próprias necessidades coletivas.
Ademais, não se pode atribuir aos serviços administrativos os princípios próprios dos serviços públicos como o princípio da continuidade, posto que, os serviços administrativos não estão investidos da essencialidade própria dos serviços públicos.
Assim, os serviços de meio realizados pela Administração Pública não podem ser considerados serviços públicos, ainda que contribuam para melhorar a prestação destes, pois lhes falta a fruição direta pela coletividade. São sim serviços que direta ou indiretamente preparam ou dão condições à prestação de um serviço público diretamente à coletividade, mas a denominação exata para estes é a de serviços administrativos. “Daí que só merece ser designado como serviço público aquele concernente à prestação de atividade de comodidade material fruível diretamente pelo administrado” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 575).
Em resumo, os serviços públicos de meio ou administrativos não podem ser considerados como serviços públicos, de um lado por não atenderem à necessidade da coletividade, faltando-lhes, pois, o elemento material, e de outro por não estarem sujeitos aos princípios próprios dos serviços públicos.
Se a prestação do serviço público é atribuída ao Estado e a sua finalidade é o atendimento à coletividade, certamente, o regime jurídico a ele dispensado não pode ser o mesmo dispensado aos serviços prestados pelo particular, mesmo porque o interesse público está diretamente a ele atrelado.
Isto significa dizer que o serviço público tem caminhos determinados pelo direito público a serem percorridos. Deve, portanto, atender aos seus princípios próprios e às normas aplicáveis à Administração Pública, mesmo quando sua prestação for delegada ou outorgada.
Ademais, a definição de serviço público não faria sentido para o mundo jurídico, não fosse a incidência de um regime jurídico próprio sobre ele, compreendendo, aí, também, os seus princípios que, conquanto derivem dos princípios maiores aplicáveis a toda a Administração Pública, em seus desdobramentos para abranger as particularidades dos serviços públicos, mostram-se peculiares a estes.
Isto não significa, contudo, que não possa incidir sobre os serviços públicos, o regime jurídico de direito privado. Dizer que estes serviços se regem pelo direito público significa afirmar que devem seguir preceitos estabelecidos por este regime jurídico. Contudo, se o Estado está a se relacionar com o particular, o regime jurídico de direito privado pode perfeitamente incidir sobre esta relação.
Destarte, isto ocorre, tanto quando o Estado contrata os serviços do particular, quanto, quando o Estado presta serviços ao particular. Assim, o regime jurídico de direito público traça as regras sob as quais o Estado deverá se guiar na prestação do serviço público, o que não significa que o particular, na qualidade de elemento que compõe a coletividade e a quem o serviço é destinado, esteja submetido às mesmas regras quando da fruição deste serviço.
De outra parte, em verdade, o Estado exerce também atividades em que predomina a incidência de institutos próprios do regime jurídico de direito privado. A Constituição Federal de 1.988, em seu artigo 173, §1º, II, é clara ao admitir que as atividades típicas da iniciativa privada, que o Estado, conjuntamente com esta, passou a desenvolver, estão submetidas a um regime jurídico de direito privado, faltando-lhes, pois, o elemento formal típico dos serviços públicos, haja vista que a lei não atribui ao Estado a sua prestação, admitindo-a, pelo contrário, em caráter de excepcionalidade, e ainda assim, sem sua submissão ao regime jurídico de direito público.
Alguns serviços desenvolvidos, tanto pela iniciativa privada, quanto pelo Estado, serão considerados privados, se prestados por aquela, e públicos, se prestados por este. A titularidade destes serviços não é privativa do Estado, mas está ele obrigado a prestá-los por força de lei. De outra parte, à iniciativa privada é admitida sua exploração.
“Em princípio, poder-se-ia pensar que o titular exclusivo dos serviços seria o Estado. Nem sempre, porém, é assim, como já se anotou. Há certos serviços que serão públicos quando prestados pelo Estado, mas que concernem a atividades em relação às quais a Constituição não lhe conferiu exclusividade, pois, conquanto as tenha colocado a seu cargo, simultaneamente deixou-as liberadas à iniciativa privada.
Há na verdade, quatro espécies de serviços sobre os quais o Estado não detém titularidade exclusiva, ao contrário do que ocorre com os demais serviços públicos. São eles: serviços de saúde, de educação, de previdência social e de assistência social” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Serviço público e sua feição constitucional no Brasil, Direito do Estado: novos rumos, p. 30)
De tudo isto, é possível afirmar que serviço público é toda atividade desenvolvida sob regime de direito público, para o atendimento direto às necessidades coletivas, cuja titularidade a lei atribui ao Estado.
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Eduardo Toledo Arruda Galvão de França
* Capítulo da Dissertação de Mestrado apresentada pelo autor junto a Istituição Toledo de Ensino de Bauru, perante banca examinadora e aprovada com conceito máximo “A” e indicação para sua publicação, conferindo-lhe o título de mestre em Direito Constitucional.